Gagarin – 55º aniversário do primeiro voo espacial tripulado (II)

YuriGagarin

O Boletim Em Órbita publica a segunda parte de um artigo (de quatro partes) que assinala o 55.º aniversário do primeiro voo espacial tripulado que foi lançado a 12 de Abril de 1961 e que tornou Yuri Gagarin no primeiro ser humano a viajar no espaço.

Gagarin – 55º aniversário do primeiro voo espacial tripulado (I)

A 22 de Fevereiro, Kamanin aprovou formalmente a curta lista final de vinte candidatos a cosmonautas seleccionados nos finais de 1959. Estes jovens homens, juntamente com outros sete do outro lado do mundo, representavam o primeiro grupo de pessoas a serem preparadas para viagens no espaço exterior. Os vinte eram:

• Tenente Sénior Ivan N. Anikeyev (27 anos)
• Major Pavel I. Belyayev (34)
• Tenente Sénior Valentin V. Bondarenko (23)
• Tenente Sénior Valery F. Bykovskiy (25)
• Tenente Sénior Valentin I. Filatyev (30)
• Tenente Sénior Yuri A. Gagarin (25)
• Tenente Sénior Viktor V. Gorbatko (25)
• Capitão Anatoly Y. Kartashov (27)
• Tenente Sénior Yevgeniy V. Khrunov (26)
• Capitão Engenheiro Vladmir M. Komarov (32)
• Tenente Alexei A. Leonov (25)
• Tenente Sénior Grigori G. Nelyubov (25)
• Tenente Sénior Andian G. Nikolayev (30)
• Capitão Pavel R. Popovich (29)
• Tenente Sénior Mars Z. Rafikov (26)
• Tenente Sénior Georgi S. Shonin (24)
• Tenente Sénior Gherman S. Titov (24)
• Tenente Sénior Valentin S. Varlamov (25)
• Tenente Sénior Boris V. Volynov (25)
• Tenente Sénior Dmitry A. Zaikin (27)

Primeiros cosmonautasDo grupo, cinco não cumpriam o critério da idade de ser entre os 25 e 30, mas esta condição foi ignorada devido às suas performances nos procedimentos de selecção. Dois em particular, Belyayev e Komarov, eram os mais formados e experientes membros da equipa, tendo-se já formado em academias da Força Aérea. Devido à restrição de idades, nenhum dos seleccionados era piloto de testes, ao contrário dos seus colegas norte-americanos. Komarov tinha alguma experiência como engenheiro de teste ao voar novos aviões, mas o piloto mais experiente, Belyayev, havia somente acumulado 500 horas de tempo de voo. Outros como Gagarin haviam voado somente 230 horas. Só um piloto, Popovich, havia voado o que era então considerado um avião de alta performance, o MiG-19. Em grande parte, isto era um resultado directo do alto grau de automação dos veículos espaciais Soviéticos; simplesmente não havia requisitos para uma significativa experiência de pilotagem ou habilidade nesta fase. Os candidatos tinham de se inteligentes, estar confortáveis com situações de alto stress, e acima de tudo fisicamente aptos.

Em finais de Fevereiro de 1960, doze dos vinte cosmonautas seleccionados chegaram para testes médicos finais a serem realizados no Hospital Central de Pesquisa Cientifica de Aviação. Foi ali que a 7 de Março o Marechal Vershinin proferiu um discurso de boas-vindas, que uma testemunha caracterizou de “palavras festivas antes da partida para uma jornada longa e difícil.” No mesmo dia, Kamanin assinou as ordens finais oficialmente colocando-os na equipa de cosmonautas e instruindo-os a regressar às suas unidades da Força Aérea, resolver todos os assuntos pendentes, e depois deslocaram-se para o novo centro de treino. As ordens para os restantes oito treinandos foram assinadas entre 9 de Março e 17 de Junho de 1960, após as quais todos os vinte estavam permanentemente colocados no centro (Os primeiros doze a ingressarem oficialmente na equipa a 7 de Março de 1990 foram Anikeyev, Bykovskiy, Gagarin, Gorbatko, Komarov, Leonov, Nelyubov, Nikolayev, Popovich, Shonin, Titov e Volynov. Khrunov juntou-se-lhes a 9 de Março. Zaikin e Filatyev ingressaram na equipa a 25 de Março. Belyayev, Bondarenko, Rafikov e Varlamov ingressaram a 28 de Abril e Kartashov juntou-se-lhes a 17 de Junho. As suas ordens oficiais foram assinadas pelo Comandante em Chefe da Força Aérea Soviética Marechal K. A. Vershinin). As aulas de treino para os candidatos tiveram início às 0800UTC do dia 14 de Março com uma palestra introdutória feita pelo médico Yazdovskiy. Durante os quatro meses iniciais, o treino foi dividido entre um pesado ênfase em disciplinas académicas e regimes gerais de treino físico diário. Estes treinos incluíam duas horas por dia de exercícios calisténicos intensivos levados a cabo no Estádio Central do Exército em Moscovo. Meses mais tarde, foi construído um pavilhão para a prática de exercício físico nas instalações do centro de treino. Para proporcionar uma ligação distinta entre o veículo espacial no qual iriam voar e o treino, os candidatos tinham três vezes por semana aulas com especialistas do OKB-1 que leccionavam aulas relacionadas com sistemas de foguetões espaciais, biomedicina espacial, navegação, comunicações via rádio, geofísica e astronomia (Nas fases iniciais as aulas do OKB-1 eram leccionadas por K. D. Bushuyev, K. P. Feoktistov, M. K. Tikhonravov, B. V. Raushenbakh, V. I. Sevastyanov, e Ts. V. Solovyev. As aulas de biomedicina eram inicialmente leccionadas por O. G. Gazenko, V. V. Parin, e V. I. Yazdovskiy).

Primeiros cosmonautas 1

Da esquerda para a direita: Ivan Nikolayevich Anikeyev, Pavel Ivanovich Belyayev, Valentin Vasilyevich Bondarenko, Valery Fyodorovich Bykovskiy e Valentin Ignatyevich Filatyev

Primeiros cosmonautas 2

Da esquerda para a direita: Yuri Alexeiyevich Gagarin, Viktor Vasilyevich Gorbatko, Anatoly Yakovlevich Kartashov, Yevgeniy Vasilyevich Khrunov e Vladmir Mikhailovich Komarov

Primeiros cosmonautas 3

Da esquerda para a direita: Alexei Arkhipovich Leonov, Grigori Grigorievich Nelyubov, Andian Grigorievich Nikolayev, Pavel Romanovich Popovich e Mars Zakirovich Rafikov

Primeiros cosmonautas 4

Da esquerda para a direita: Georgi Stepanovich Shonin, Gherman Stepanovich Titov, Valentin Stepanovich Varlamov, Boris Valentinovich Volynov e Dmitry Alexeyevich Zaikin.

O treino de salto com pára-quedas, que preparou os cosmonautas para eventos nominais e de emergência que poderiam ocorrer durante as suas missões, foi iniciado a 13 de Abril quando a maior parte dos pilotos foi transportada de avião para a região de Saratov perto de Engels para começar os saltos a partir de um avião Antonov An-2 convertido. Dentro de cerca de seis semanas, cada um havia levado a cabo cerca de quarenta a cinquenta saltos, e tornaram-se aclimatizados com a descida na água e no solo, a partir de grandes e baixas altitudes, e há noite (o treino de saltos de pára-quedas era dirigido pelos instrutores do TsPK, I. M. Dzuba, M. I. Maksimov, N. K. Nikitin, A. K. Starikov, e K. D. Tayurskiy). Ao mesmo tempo, o treinando Vykosvkiy tornou-se no primeiro indivíduo a ser submetido a um teste de quinze dias na câmara anecóica TBK-12, iniciando a 6 de Abril, para simular os efeitos de um isolamento psicológico completo. Outros testes médicos incluíam a utilização do baloiço Khilov para testar o sistema vestibular, as cadeiras rotativas Barani e Rotor, uma câmara barométrica de baixa pressão para simular altitudes até 12 km, uma centrifugadora capaz de induzir até 10 g’s, e uma câmara térmica para sujeitar os treinandos a temperaturas até 70ºC durante uma ou duas horas. Testes médicos regulares eram administrados antes e após cada exercício. Não foi surpreendente o facto de, de todos os regimes de treino, os cosmonautas eram mais resistentes aos testes médicos e de resistência, e aparentemente foi difícil convencer o grupo para se sujeitar a uma série de testes que parecia interminável. Para manter a sua proficiência, era permitido aos treinandos pilotar o avião de treino MiG-15UTI sobre a supervisão de Mark L. Gallay, um dos mais famosos pilotos de teste na União Soviética. Os aviões eram cedidos pelo prestigiado Instituto de Pesquisa de Voo M. M. Gromov em Zhukovskiy. Com a direcção de Gallay, os treinandos voavam trajectórias parabólicas para simular a microgravidade por períodos até trinta segundos em aviões Tupolev Tu-104 especialmente equipados.

Devido às limitações de espaço das instalações existentes, a Força Aérea incumbiu o seu pessoal no novo centro a explorar a possibilidade de o deslocar para uma localização mais amena para as necessidades do treino dos cosmonautas. Inicialmente foi recomendado duas potenciais localizações perto de Moscovo: uma em Balashikha e a outra perto da Estação de Caminho de Ferro de Tsiolkovskiy em Shelkovo. Após analisarem os prós e contras, a Força Aérea decidiu deslocar a totalidade do programa de treino para a última área devido à sua localização isolada e grande área disponível. A proximidade de várias instalações chave, incluindo o OKB-1, um grande complexo de habitação, a Academia de Ciências, e o aeródromo de Monino, foram também factores importantes na selecção. O pessoal do centro de treino e os cosmonautas foram formalmente recolocados para a nova localização a 29 de Junho de 1960. Este novo subúrbio de Moscovo, a cerca de 30 km a nordeste da capital, foi rebaptizado como Zelenyy (‘Verde’). Porém, a localidade é conhecida pelo seu mais recente nome de Zvezdniy Gorodok – ‘Cidade Estrelada’ ou ‘Cidade das Estrelas’ – (a localidade recebeu este nome a 28 de Outubro de 1968.), o local onde os cosmonautas e astronautas treinam para voos nos veículos espaciais russos.

À medida que o treino básico para os treinandos se aproximava do fim, um simulador rudimentar de uma cápsula espacial, denominado TDK-1, o primeiro do género na União Soviética, foi construído no Instituto de Pesquisa de Voo M. M. Gromov para permitir o treino de vários modos da missão (o simulador foi desenhado e construído pelo Grupo de Desenho Experimental Estatal do Instituto de Pesquisa de Voo (SOKB LII), dirigido pelo Desenhador Chefe S. G. Darevskiy.). Devido aos facto de os médicos acreditarem que seria ineficiente treinar todos os vinte homens num único simulador nesta fase inicial, Korolev, Karpov e Kamanin recomendaram que os responsáveis seleccionassem um núcleo de seis pilotos que iria cumprir um treino acelerado. Este grupo iria levar a cabo os primeiros voos pilotados, enquanto que os restantes catorze elementos iriam continuar o treino básico para voar numa data posterior. Alguns como Volynov, que era muito largo de ombros, e Shonin, que era muito alto, não foram considerados para o grupo primário. Komarov, que era claramente o candidato mais forte, sendo um engenheiro e um piloto capaz, teria sido incluído na equipa não tivesse sido o facto de uma anomalia cardíaca ter sido descoberta inadvertidamente pelos médicos durante um exercício de treino. A Força Aérea acabou eventualmente por elaborar uma pequena lista de seis nomes a 30 de Maio de 1960. Informalmente intitulada “Os Seis de Vanguarda”, eles eram Gagarin, Kartashov, Nikolayev, Popovich, Titov e Varlamov. Para se encontrar com eles, Korolev visitou o centro pela primeira vez a 18 de Junho. Os cosmonautas haviam tomado conhecimento pela primeira vez da sua existência somente três meses antes, apesar de mesmo então ele ser simplesmente designado como “desenhador chefe” para esconder a sua identidade. Os seis, por sua vez, devolveram a honra com a visita às instalações do OKB-1 no mês seguinte, vendo pela primeira vez o veículo espacial que estavam destinados a voar.

O grupo central de cosmonautas sofreu as suas primeiras baixas, ambas de forma coincidente em Julho de 1960, logo após se transferir para a nova localidade de Zelenyy. A 16 de Julho, após um teste de centrifugação onde atingiu 8 g’s no TsPK, os médicos descobriram um vermelhão na coluna vertebral de Kartashov. Testes subsequentes levados a cabo na centrifugadora confirmaram o diagnóstico original de hemorragias, o que implicava a fraqueza dos vasos sanguíneos. De outra forma uma pessoa completamente saudável, Kartashov foi imediatamente removido do grupo central, apesar de ter permanecido no centro a continuar o treino básico com os outros cosmonautas. Apesar de apelos dos seus colegas, tais como Titov, Kartashov foi eventualmente dispensado da equipa em Abril de 1962 sem nunca ter sido nomeado para qualquer missão. Um pouco mais de uma semana após o acidente de Kartashov, a 24 de Julho, um segundo treinando do grupo central, Varlamov, esteve envolvido num acidente de natação nos Lagos Medvezzhiy enquanto nadava com outros dois pilotos, Bykovskiy e Shonin. Durante um mergulho, Varlamov atingiu o fundo do lago com a sua cabeça e magoou a coluna vertebral. Após o diagnóstico, descobriu-se que tinha uma vértebra cervical deslocada, o que o desqualificava do treino (Kartashov demitiu-se oficialmente da equipa de cosmonautas a 7 de Abril de 1962, após o que se tornou num piloto de teste para o Ministério da Defesa. Trabalhou durante muitos anos no GSOKB-472 de O. K. Antonov antes de se reformar, Varlamov demitiu-se oficialmente da equipa de cosmonautas a 6 de Março de 1961. Após a sua demissão, serviu como chefe adjunto do posto de controlo de voo espacial do centro e mais tarde como instrutor chefe. Faleceu a 2 de Outubro de 1980 em resultado de uma hemorragia cerebral). Nelyubov e Bykovskiy, respectivamente, ocuparam as posições de Kartashov e Varlamov. Bykovskiy foi aparentemente favorecido devido á sua aparência magra, baixo peso, e uma alta tolerância às cargas gravíticas. Assim em finais de Julho, seis homens estavam na linha de partida para competir pelo grande prémio de um deles ser o primeiro cidadão Soviético no espaço: Gagarin, Bykovskiy, Nelyubov, Nikolayev, Popovich e Titov. Se tudo corresse segundo os planos de Korolev, um deles também teria a distinção de ser o primeiro homem no espaço.

Korabl-Sputnik

O programa de teste para o primeiro veículo espacial tripulado Soviético teve início em 1960. Nessa altura, ao veículo foi atribuído o nome actual: Vostok (‘Este’). Em Abril, os engenheiros do OKB-1 dirigidos por Bushuyev e Tikhonravov haviam finalizado o plano para a primeira versão, designada 1K (ou Vostok 1), essencialmente um modelo para teste em órbita dos sistemas primários do veículo espacial. Também mencionados nos planos estavam o veículo 2K (Vostok 2) e o veículo 3K (Vostok 3). O veículo 2K seria um satélite de reconhecimento automático, enquanto que o veículo 3K seria o veículo espacial tripulado. Existia uma pressão considerável para acelerar o calendário da cápsula Vostok 3, principalmente devido à corrente de notícias originadas do Projecto Mercury. Em princípios do Verão de 1960, os oficiais da NASA marcaram um alvo informal para o OKB-1: para Korolev em particular, era absolutamente imperativo que a primeira Vostok pilotada estivesse em órbita antes de uma Mercury suborbital. O prazo estabelecido de ‘final de 1960’ foi especificado num documento oficial do governo Soviético, datado de 4 de Junho de 1960, intitulado “Sobre o Plano para o Domínio do Espaço Cósmico”; todos os testes para um voo Vostok pilotado estariam completos em Dezembro de 1960.

R-2AO programa de testes para se conseguir este objectivo envolvia não só o lançamento das cápsulas Vostok 1 e Vostok 3, mas também o lançamento de uma série de mísseis de curto alcance para a atmosfera superior para testar os vários elementos do sistema de suporte de vida e a instrumentação de suporte biológico. Enquanto que nenhum dos testes espaciais utilizou o veículo Vostok, os voos fizeram uma importante contribuição para o progresso do programa Vostok como um todo. A maior parte destes lançamentos foram anunciados publicamente pelos media Soviéticos como sendo uma extensão do programa científico incluído no Ano Geofísico Internacional de 1957-58. Dois tipos diferentes de mísseis foram utilizados para estas experiências, o R-2A e o R-5A, ambos variantes científicas de mísseis balísticos militares. Pelo menos cinco lançamentos bem sucedidos do R-2A em 1957 foram seguidos por mais seis entre Julho de 1959 e Setembro de 1960, todos para altitudes de cerca de 212 km. Cada um transportou dois cães (a segunda série foi inaugurada a 2 de Julho de 1959 e finalizada a 22 de Setembro de 1960. Ocorreram duas falhas adicionais no programa num total de 13 lançamentos.). Um programa de lançamentos mais avançado mas menos intensivo foi levado a cabo pelo R-5A, que permitiu a duplicação do tempo em imponderabilidade para os cães a bordo. Quatro lançamentos foram executados entre Fevereiro e Outubro de 1958, cada um transportando dois cães para altitude de cerca de 470 km, um recorde mundial para um míssil balístico de um só estágio.

O sucesso dos lançamentos verticais destes mísseis ajudou a reforçar a confiança no programa Vostok geral. De um ponto de vista político, porém, o projecto pilotado ainda se encontrava em competição com objectivos militares mais importantes. Desde finais de 1958, o OKB-1 estava a trabalhar num esforço de desenvolvimento paralelo de um satélite de reconhecimento denominado Zenit. Apesar de inicialmente haver um apoio implícito para enfatizar a porção pilotada, em princípios de 1960, talvez originada pela alteração de posições estratégicas entre as duas superpotências, o governo Soviético expressou uma crescente impaciência no calendário do projecto de vigilância. Numa reunião a 9 de Janeiro de 1960, o Presidente da Comissão Militar Industrial Ustinov relembrou aos líderes do OKB-1 que “não existia objectivo mais importante no tempo presente” do que o programa de reconhecimento. O criticismo foi directamente apontado ao entusiasmo idealista de Korolev pelo voo espacial tripulado, e também sublinhou a crescente brecha entre os objectivos militares e civis no programa espacial Soviético. Quanto o Concelho de Desenhadores Chefe havia originalmente decidido em finais de 1958 dar uma maior prioridade á Vostok do que à Zenit, o Ministro da Defesa ainda estava relativamente incerto dos requerimentos do reconhecimento espacial. Esta posição havia mudado de forma drástica em menos de dois anos, possivelmente exacerbada pelos lançamentos dos satélites espiões norte-americanos CORONA sobre o disfarce do programa Discoverer.

O programa Vostok como um todo atingiu um marco importante no princípio do Verão de 1960, quando o primeiro artigo pronto para o voo foi transportado para Baikonur para lançamento. Supervisionando o programa de testes da Vostok estava outra ‘Comissão Estatal’ ad hoc, esta originalmente estabelecida para dirigir a série de lançamentos do míssil balístico intercontinental R-7A que estava a decorrer. O Marechal Nedelin, o Comandante em Chefe da Forças Mísseis Estratégicas, servia como presidente da comissão, com a sua presença a sublinhar a desenfreada influência dos militares sobre um projecto «civil».

O primeiro veículo Vistok 1 que foi preparado para o lançamento era uma subvariante designada 1VP (ou Vostok 1P), com o ‘P’ a significar que era um veículo simples (‘Prostoy’) e que não havia sido desenhada para ser recuperada. O veículo não possuía escudo térmico para o módulo de descida e nem um sistema de suporte de vida. Em vez do grande assento ejectável que iria transportar o piloto, o veículo espacial transportava um modelo para simular as cargas correctas. Ao contrário de veículos Vostok que iriam surgir mais tarde, foram instalados dois painéis solares em forma de semi-círculo num bastão na parte frontal do aparelho de descida. Este sistema, designado Luch (‘Raio’), iria fornecer energia ao veículo espacial na forma de uma experiência para avaliar a efectividade da energia solar sobre as baterias químicas (O sistema de painéis solares foi desenhado pelo Instituto de Pesquisa Científica de Toda a União de Fontes de Corrente ‘VNIIT’ dirigido por N. S. Lidorenko.). O principal objectivo da missão era o de testar os elementos básicos do veículo, em particular o complexo sistema de orientação Chayka, que iria colocar o veículo espacial na atitude apropriada para a reentrada. Apesar do veículo ser destruído na reentrada, os dados de telemetria iriam indicar se o veículo teria sido devidamente orientado. A massa total do veículo espacial era de 4.450 kg.

Os engenheiros começaram a chegar a Baikonur a 28 de Abril de 1960, em preparação para o voo, que estava planeado para os princípios de Maio. Existiram numerosos problemas com o sistema Chayka que ameaçaram adiar a missão. Os engenheiros entregaram um sistema pronto para o voo vários dias mais tarde e instalaram-no no veículo somente a 5 de Maio. Anomalias contínuas com o sistema forçaram o Marechal Nedelin a alterar a data de lançamento a 15 de Maio, exactamente três anos após o primeiro lançamento do R-7. Foi um lançamento levado a cabo de manhã cedo com o Sol a brilhar no céu quando o veículo lançador 8K72 apressou-se para a órbita terrestre com a sua carga Vostok 1P (O lançamento teve lugar às 00:00:05,6UTC do dia 15 de Maio de 1960 e foi levado a cabo por um foguetão 8K72 Vostok (L1-11)). O veículo entrou com sucesso numa órbita de 312 km por 369 km com uma inclinação de 65º. Mal receberam as notícias de uma inserção orbital com sucesso, os principais membros da Comissão estatal reuniram-se para escrever um comunicado para a imprensa Soviética. Existiu alguma indecisão sobre a designação a dar ao veículo nos media: Korabl-Sputnik 001520“Existem navios no mar, navios no rio, «navios» no ar, e agora existirão navios espaciais!” (outros presentes eram L. A. Grishin, A. Yu. Ishlinskiy, e M. V. Keldysh). Apesar do termo “navio espacial” ter sido utilizado pela primeira vez no anuncio oficial da agência TASS sobre a missão, o veículo foi simplesmente designado Korabl-Sputnik (‘navio-satélite’) – o satélite Korabl-Sputnik (000036 1960-005A 1960 Epslon 3) é por vezes identificado como Sputnik-4. Não existia qualquer indicação de que a missão tinha alguma relevância para um programa espacial tripulado.

 O voo, planeado para ter uma duração de quatro dias, procedeu sem incidentes, com os testes bem sucedidos dos sistemas eléctricos e de fornecimento de energia. A reentrada, a parte mais crítica da missão, estava prevista para a manhã cedo do dia 19 de Maio. Antes da prevista entrada em funcionamento dos motores de travagem TDU-1, o grupo de controlo em Baikonur (Grupo T) havia detectado anomalias no sistema de controlo de atitude primário, que utilizava sensores de infravermelhos. Apesar do sistema como um todo parecer estar a funcionar perfeitamente, o sensor não estava a responder correctamente. A equipa de Baikonur relatou o problema ao grupo de controlo em Moscovo (Grupo M), mas o desenhador do sistema, Boris V. Raushenbakh, recusou-se a concordar com as recomendações do Grupo T para utilizar o sistema de orientação suplente. O Chefe Desenhador Adjunto do OKB-1 Boris Ye. Chertok, que era o responsável pelo Grupo T, rapidamente convocou uma reunião em Baikonur e chegou a um consenso de que o sistema primário não deveria ser utilizado, em favor do ainda operante sensor solar Grif. Ele passou então esta recomendação para Moscovo. Apear de parecer que Korolev concordava no princípio com Chertok, ele cedeu aos argumentos persuasivos por parte de Keldysh e de Raushenbakh para seguir com o sistema primário. Infelizmente, na 64ª órbita, o sistema primário sofreu uma avaria e os catorze motores que trabalhavam a azoto comprimido (10 kg cada motor) inseriram o satélite numa atitude errada. Os motores de travagem TDU-1 accionaram-se automaticamente à hora prevista de 2352UTC, mas o veículo espacial, em vez de reentrar na atmosfera, foi propulsionada para uma nova órbita mais elevada de 307 km por 690 km. O módulo de descida acabou eventualmente por reentrar cinco anos mais tarde a 15 de Outubro de 1965. Korolev, indignado pelo erro de controlo, enviou reprimendas a vários dos seus engenheiros, incluindo a um dos desenhadores da Vostok, Feoktistov (o tempo de queima foi de cerca de 26 segundos, o que implica que o motor TDU-1 foi desligado antes de uma queima completa ou também terá sofrido uma avaria).

Após uma curta investigação sobre a avaria, o OKB-1 optou por remover o sistema de infravermelhos da variante Vostok 3A pilotada. Estes veículos estariam em vez disso equipados com dois sistemas: um sistema automático solar e um sistema manual que utilizaria o horizonte terrestre. O segundo veículo Vostok I preparado para o voo, enquanto possuía um velho conjunto de sistemas de orientação, era mais avançado do que o seu modesto predecessor; estava equipado com um sistema de suporte de vida operacional e meios de recuperação. Dois cães, Chayka e Lisichka, foram treinados para voar em órbita a bordo. Korolev gostava particularmente de 1960-F09 8K72 Vostok (L1-10)Lisichka, um gosto que era evidentemente mútuo; de outra forma um cão calmo, tornava-se invariavelmente animado quando Korolev o visitou durante as operações de pré-lançamento. Os dois cães foram lançados a 28 de Julho de 1960 (o lançamento teve lugar às 0931UTC e foi levado a cabo por um foguetão 8K72 Vostok (L1-10)), mas a missão correu mal logo desde o início. Logo 16 segundos após o lançamento, o veículo lançador começou a “tombar para um dos lados” em resultado de um incêndio e da ruptura da câmara de combustão num dos propulsores laterais (no Blok G). o propulsor inerte separou-se do lançador, e o foguetão acabou eventualmente por explodir a T+28,5 segundos. Apesar do aparelho de descida ter-se separado do conjunto, a explosão matou ambos os passageiros.

O acidente forçou a sérias considerações para testar um sistema de emergência no foguetão 8K72. O Departamento de Tikhonravov, responsável pelo desenho do veículo espacial, propôs um sistema em finais de Agosto que iria garantir que qualquer cosmonauta a bordo teria a capacidade de abortar a missão em quatro diferentes estágios da ascensão para a órbita terrestre. Os primeiros quarenta segundos do lançamento eram considerados a parte mais perigosa, e no caso de uma avaria no lançador, o piloto poderia ejectar-se da cápsula através de um sistema de catapulta e aterrar separadamente por pára-quedas (de notar que nos apontamentos de Korolev datados de 1961 nos quais sumariza os lançamentos dos Korabl-Sputnik, ele refere que o sistema foi instalado em todas os voos Vostok após o acidente de Julho de 1960, o que implica que tal sistema fora utilizado no lançamento de Agosto de 1960). A adição de um sistema de emergência bem como as alterações nos sistemas de orientação não eram usuais num programa cuja fase de testes em voo havia já sido iniciada. O programa Vostok tinha de facto a estranha distinção de ser talvez o único programa espacial pilotado cujo plano – isto é, o documento técnico que especifica o seu desenho – evoluir continuamente ao longo do período do projecto. Isto era sem dúvida atribuível aos limites de tempo colocados em parte pelos planos para o Projecto Mercury.

Por Asif A. Siddiqi. Tradução e edição Rui C. Barbosa

(Continua)